terça-feira, 13 de maio de 2014

HISTÓRIA DA EXTRAÇÃO DE TINTA DOS VEGETAIS

Técnica da Tinta Natural

Uma toalha manchada de café, outra de vinho, uma peça de roupa encardida de terra, uma calçada suja de amora madura... Na hora do almoço, uma beterraba tinge nosso prato e a salada de repolho roxo fica cor-de-rosa ao ser molhada com limão...
Estamos rodeados de elementos coloridos, de Tintas Naturais, que podem ser conseguidas com coisas simples como as citadas acima ou podem depender de um longo e complicado processo de obtenção.
A natureza oferece matéria-prima abundante para a produção de tintas. Seriam elas duráveis? Dificilmente. Seriam mais baratas? Na maioria das vezes. Atóxicas? Nem sempre. Porém, apesar de tantas incertezas, trabalhar com elas é extremamente gratificante.
Por tintas naturais entendem-se tintas obtidas da natureza, que, como as demais, são compostas basicamente por pigmentos e aglutinantes, possuindo características de opacidade ou transparência.
Tintas naturais transparentes são aquelas semelhantes às anilinas, que se dissolvem na água ou nos aglutinantes, colorindo-os sem formar pasta. As opacas são formadas por pós que, adicionados aos aglutinantes, formam massas mais ou menos espessas; são muito estáveis e possuem grande capacidade de cobertura.

História

Há alguns séculos, o termo "tinta natural" não existia, pois toda tinta provinha da manipulação de elementos naturais e aquilo era simplesmente "tinta". A distinção entre tinta natural e artificial só viria a ser feita por volta de 1856 quando se obteve uma tinta feita somente por compostos químicos manipulados em laboratório.
As primeiras tintas que temos notícias são das pinturas pré-históricas feitas em cavernas (30.000 - 8.000 a.C.). Foram feitas utilizando-se terras coloridas, pó de rochas, carvão vegetal e colas vegetais e animais. Como as terras e rochas são pigmentos altamente duráveis e as pinturas estavam protegidas das ações do tempo, elas conservaram-se até hoje.
Cerca de quatro mil anos atrás, havia poucos corantes e estes eram muito caros. Alguns corantes de que se tem notícia naquela época eram o azul índigo ou anil (retirado da planta Indigofera tinctoria), o vermelho provinha da raiz da Rubia tintorium, chamada de ruiva dos tintureiros por ser usada pelos mesmos (na pintura artística, esta cor ficou conhecida como alizarina), o violeta era obtido a partir de moluscos (Murex trunculis e Murex brandaris). Este era um corante caro devido à alta quantidade necessária de moluscos para produzir tinta: dez mil moluscos equivaliam a um grama de cor (por volta de 1300 d.C., estes moluscos entram em extinção e a cor então passa a ser retirada de um líquen).
Na Índia, o açafrão da terra (Curcuma longa) era largamente utilizado para produzir a cor amarela dos mantos dos monges budistas. O açafrão verdadeiro (Crocus sativus), utilizado no século XIX, também produz uma cor amarela vibrante, mas sua extração é muitíssimo mais complicada, além da cor ser fugaz. No açafrão da terra, a cor é retirada das raízes, e no açafrão verdadeiro, dos estigmas das flores, sendo necessárias mais de 250.000 flores para se obter meio quilo de açafrão. Portanto, fazer tintas sempre foi um processo demorado e com custos altos. Devido a isso, as cores eram símbolo de nobreza: os ricos usavam cores e os pobres usavam roupas sem tingimento.
No século XII d.C. a pedra lápiz lázuli era utilizada como fonte da cor azul ultramar mas seu uso foi constatado desde 3.000 a.C. em afrescos da Sumária. Como a pedra é semi-preciosa, este era um pigmento muito caro e difícil de ser encontrado. No fim do século XV, exploradores europeus ganharam a América e a Índia de onde trouxeram novos pigmentos, como o amarelo indiano. Os incas, maias e astecas extraíam o carmim de um pequeno inseto (cochonilha) o que é utilizado até hoje como corante alimentício. Pouco depois, houve o descobrimento do Brasil e a exploração das nossas riquezas. O Pau-Brasil, fonte de cor vermelha, passou a ser utilizado na Europa como uma grande novidade, embora aqui fosse muito conhecido pelos indígenas.
Outra tinta utilizada por várias tribos indígenas brasileiras provém do urucum. Entre os índios brasileiros era denominado uru'ku, cujo significado é 'vermelho', em referência à cor do revestimento de suas sementes. Este pigmento era considerado por eles tinta sagrada de rito e magia. O urucum era usado na pintura dos recém-nascidos e das meninas, (por ocasiões da primeira menstruação), assim como em cerimônias nupciais, rituais antropofágicos, de sacrifícios de prisioneiros, ritos funerários, e na pintura dos ossos em cerimônias de exumação. Entre os índios, o pó das sementes era considerado afrodisíaco e um antídoto para o veneno da mandioca.
No século XVII, a pintura a óleo ganha popularidade e as tintas são produzidas manualmente. Nos ateliês de grandes artistas, sempre havia um auxiliar encarregado de moer e preparar as tintas.
Desde o início do século XIX muitos pigmentos foram ganhando seus equivalentes químicos como, por exemplo, o azul ultramar. "Devido ao alto custo do Lápis Lázuli, inúmeras pesquisas foram feitas, sendo descoberto por J.B. Guimet em 1826 e comercializado para os artistas a partir de 1826".

Curiosidade:
 O amarelo indiano tinha um processo de extração curioso. Era feito de urina de vacas que haviam se alimentado apenas com folhas de manga, sem beber água. A essa urina juntava-se um pouco de terra, esta mistura era esquentada e seca para então depois ser dividida em torrões que eram vendidos. Como isso era muito penoso para os animais, sua produção foi proibida no início do século XX.
Em 1856 o químico inglês Sir William Perkin descobre o primeiro corante sintético em laboratório. A partir desta descoberta, muitas pesquisas foram desenvolvidas e cada vez mais os corantes artificiais passaram a ocupar o lugar dos naturais. Em 1868 a Alizarina ganha seu equivalente químico e em 1880 é a vez do azul índigo.
Na metade do século XX surge a tinta acrílica. Nos laboratórios, novas cores continuam a ser descobertas e criadas, como as tintas fosforescentes. Na década de 80 havia 3 milhões de cores disponíveis. Na década de 90, Estados Unidos, França e Inglaterra proíbem o uso de corantes químicos nas indústrias de alimentos e cosméticos.

Características das Tintas Naturais

A natureza oferece matéria prima abundante para a produção de tintas. Algumas delas estão em nosso jardim (como as flores e a terra) e acabam passando despercebidas. Ou estão na nossa cozinha: beterraba, repolho roxo, chás variados (inclusive de caixinha).
Podem-se encontrar diferentes materiais de acordo com a época do ano (flores, frutos, folhas e sementes) conforme o ciclo de germinação das plantas. Das plantas são obtidos pigmentos de várias partes: raiz, caule, casca, folhas, flores e frutos. Os pigmentos das flores são luminosos (claros e coloridos), porém muito instáveis e voláteis. Já os da raiz são mais estáveis e duradouros, apesar de menos luminosos. Os corantes do caule e das folhas encontram-se como intermediários entre esses dois extremos. E os pigmentos minerais (as terras e pedras) são os mais duradouros. As flores, folhas ou raízes podem ser usadas frescas ou secas. Geralmente quando secas possuem a cor mais concentrada. Daí a seguinte equivalência, descrita por Eber Lopes Ferreira em seu livro "Corantes naturais da flora brasileira":
1 kg de flor seca = 3,5 kg de flor fresca
1 kg de folha seca = 2,5 kg de folha fresca
1 kg de raiz seca = 1,5 kg de raiz fresca
O pó de alimentos desidratados e moídos (beterraba, espinafre e açafrão, por exemplo) também pode ser usado na produção de tintas. E as tintas provenientes dos vegetais são líquidas e transparentes. Já as provenientes dos minérios ou pó de alimentos são densas e opacas.

Pigmento
É o nome comum dado a várias substâncias que dão coloração aos líquidos ou aos tecidos vegetais ou animais que as contém. Os pigmentos podem ser extraídos da natureza ou produzidos em laboratórios, sendo responsáveis pela cor da tinta. Desde os primórdios da arte, as cores eram compostas por elementos extraídos do reino animal, vegetal e mineral, fontes inesgotáveis de pigmentos orgânicos e inorgânicos. Os pigmentos naturais são aqueles encontrados nos vegetais, animais e minerais.
Os pigmentos vegetais, também chamados de corantes, são extraídos de folhas, flores, sementes, cascas, troncos e raízes, através de diversos processos. Alguns são menos resistentes que os pigmentos minerais, pois a ação do calor, da umidade, do ar e dos gases da atmosfera causa-lhes modificações. Destacam-se os carotenóides e a clorofila: os caratenóides são os corantes responsáveis pela coloração amarela, vermelha e alaranjada das folhas, flores e frutas, caules e raízes; a clorofila, por sua vez, é que confere a cor verde às plantas.
Os pigmentos naturais extraídos de frutas e de elementos vegetais testados e aprovados têm também aplicação em alimentos, como sucos, doces, sorvetes, molhos. São usados, igualmente, no preparo de cosméticos, sabonetes, batons, perfumes e em algumas tintas que servem para tingir cabelos. Os pigmentos minerais mais comuns são os óxidos de ferro e as ocas, variando do amarelo ao vermelho-arroxeado até o quase preto, dependendo do maior ou menor grau de oxidade do mineral.

Processos de Obtenção
Tinta é uma mistura de dois elementos: pigmento (ou corante) e aglutinante. O pigmento é o que confere cor à tinta, e o aglutinante é o que une as partículas fazendo a tinta aderir à superfície. Existem diferentes aglutinantes e por consequência, diferentes tipos de tinta: óleo,  cola,  goma, ovo, etc.
As tintas naturais podem ser obtidas por diversos processos abaixo relacionados. Depois de obtido o pigmento ou o corante, mistura-se o aglutinante.

Pigmentos Líquidos

Cocção: Cozinhar a matéria-prima, até que a água adquira sua cor. Podem ser cozidos repolho roxo, beterraba, erva-mate, café, casca de uva preta, de jabuticaba e de pinhão, hibisco, rosas, etc. O líquido colorido pode ser aplicado diretamente no papel, mas um pouquinho de cola lhe dará maior resistência ao tempo;
Maceração: Consiste em deixar a matéria-prima de molho na água fria, por volta de 12 horas. Este tempo é estipulado para inverno ou meia estação, no verão deve ser deixado por menos tempo, senão começa a fermentar. São macerados café, erva-mate, feijão preto, etc. Usar puro ou com aglutinante;
Infusão: Os elementos são picados e deixados em infusão no álcool até atingirem o seu ponto máximo de cor, cujo tempo varia (minutos, dias, semanas). Quanto mais tempo em infusão, melhor. Podem ser colocados em infusão: pétalas de diversas flores, folhas, raízes, semente de urucum, lascas de madeira, repolho roxo, beterraba, etc. Algumas infusões (como as pétalas de rosas) dão líquidos quase incolores, e sua cor só aparece depois de algum tempo de colocada no papel. Algumas folhas verdes dão cores alaranjadas. O corante obtido pode ser aplicado puro ou com cola. Neste caso, torna-se visguento e para limpar o pincel deve-se usar álcool, e nunca água;
Fricção: A fricção, como o próprio nome diz, consiste em friccionar elementos diretamente sobre o papel. São friccionadas as plantas que contém uma quantidade razoável de água, principalmente pétalas coloridas. Flores ou folhagens podem ter uma cor por fora e outra por dentro;
Liquidificação: Bater em liquidificador com água. Folhas verdes (espinafre, rúcula, salsinha), beterraba, repolho roxo, pétalas de flores, etc. Usar puro ou com aglutinante.
Existem, nas regiões do Brasil, outros vegetais dos quais se extraem cores: o índigo ou anil é extraído das folhas do anileiro quando maduras; o vermelho do pau-brasil produz uma tinta vermelha muito usada pelos indígenas para colorir o corpo.
Noutros países do sul da Europa e países do Oriente, a ruiva dos tintureiros (Rubia tinctorum) desempenhou papel importante como promotora da cor vermelha, sendo muito cultivada na Antiguidade. Também no Oriente, África do Norte e até na Índia, utiliza-se ainda hoje a hena (Lawsinia inermis), tinta para colorir os cabelos, processo que consiste na secagem e redução das folhas a pó, que já ficam prontas para o uso. A partir das fêmeas do inseto cochonilha (Dactylopius croccus (Costa)), colhido de uma espécie de cactus que se desenvolve principalmente no Peru, extrai-se o carmim, uma cor muito estável. 

Pigmentos em pó

Trituração: carvão, giz, cascas de ovos, tijolos, urucum, café e outros são moídos até serem reduzidos a um pó muito fino;
Calcinação: ossos, sementes, madeiras são queimados e reduzidos a carvão, o qual, após sofrer trituração, é reduzido a pó. O carvão também poderá ser usado de forma compacta para grafar;
Peneiramento e Decantação: pedras e tijolos triturados devem passar pelo processo de peneiramento através de telas ou malha de meias de náilon esticadas. No caso das terras, devem ser peneiradas (para tirar os grãos maiores, pedrinhas e impurezas) e postas para decantar em água. Escorre-se a água, utiliza-se a lama de cima e descarta-se a de baixo, que contém os grãos mais grossos. Quanto menor a partícula de pigmento, melhor seu poder de cobertura, pois a tinta fica mais uniforme. O aglutinante para terra pode ser cola, goma (polvilho, trigo, maisena), ovo ou óleo.
Lixação: madeiras como cedro, pessegueiro, canjerana, louro e outras, quando lixadas, são transformadas em pós muito finos, de diversas cores. Os pós obtidos podem ser usados puros nos aglutinantes ou em associações entre si;
Imersão: os pós contidos dentro de uma trouxinha de tecido são submergidos em movimentos contínuos por várias vezes na água de cinco recipientes, passando de um ao outro. Com isso, os pós ficam depositados no fundo dos recipientes, então, basta escorrer lentamente a água que estarão prontos para o uso.
A produção dos pigmentos em pó permite que se façam três tipos de têmpera:
1- têmpera-cola: os pigmentos são adicionados às colas sintéticas, compostas de acetato de polivinila, formando uma tinta resistente;
2 - têmpera-goma: é obtida pela adição dos pigmentos à goma de polvilho ou arábica. É menos resistente que a têmpera cola;
3 - têmpera-ovo: os pós das terras e das ocas podem ser adicionados à gema ou clara de ovo, resultando numa tinta de boa consistência que, à medida que seca, adquire brilho, se for com clara, e suave aveludado, se for com gema.
Pelo acréscimo de óleo de linhaça aos pigmentos em pó, é possível obter-se a tinta à óleo, tal como procediam os pintores renascentistas.


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